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Geo Síntese

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A Ascensão da Pobreza no Sul Global e Suas Implicações Geopolíticas

A geopolítica do século XXI tem sido marcada por eventos transformadores que alteram constantemente o equilíbrio de poder global. Um desses eventos, de grande repercussão, é o aumento da pobreza global, observado pela primeira vez em décadas, conforme relatado pela Plataforma de Pobreza e Desigualdade do Banco Mundial em 2024. Esse aumento, no entanto, não ocorreu de maneira uniforme ao redor do mundo; foi concentrado quase inteiramente no chamado Sul Global, uma região composta predominantemente por nações de baixa renda, muitas vezes descolonizadas, e majoritariamente localizadas no Hemisfério Sul.

O impacto dessa crescente pobreza vai além das fronteiras econômicas, reverberando nas estruturas sociais e políticas dessas nações. Ao mesmo tempo, suscita questionamentos profundos sobre a ordem mundial estabelecida, que há muito tempo favorece o Ocidente. À medida que as desigualdades aumentam, o descontentamento no Sul Global cresce, alimentando narrativas antiocidentais e favorecendo o surgimento de novas alianças geopolíticas.

O Contexto Geopolítico do Sul Global

O termo “Sul Global” tornou-se amplamente utilizado para descrever uma coalizão de nações que compartilham desafios econômicos, históricos e sociais comuns. Essas nações, muitas das quais foram colônias no passado, enfrentam hoje o legado de exploração e subdesenvolvimento que ainda influencia suas economias e políticas. O uso do termo, no entanto, é controverso, pois agrupa países com realidades diversas sob uma única rubrica, ignorando as particularidades de cada nação. Em 2023, por exemplo, o G7 evitou usar o termo em seu comunicado, temendo que ele pudesse dar a impressão de homogeneizar circunstâncias tão distintas.

O relatório de 2024 do Banco Mundial destacou que a pandemia de Covid-19 teve um impacto devastador nas economias do Sul Global. Em países como os do sul da Ásia, a pobreza aumentou de 2,4% para 13% entre 2019 e 2020, uma mudança drástica que reflete a vulnerabilidade dessas nações a choques externos. Na África, embora os dados sejam limitados, acredita-se que o aumento da pobreza tenha sido igualmente significativo. Esses números refletem não apenas o impacto direto da pandemia, mas também as respostas políticas e econômicas que, em muitos casos, exacerbaram as desigualdades.

A Pandemia de Covid-19 e a Pobreza Global

A pandemia expôs fragilidades estruturais nas economias do Sul Global. A alocação inicial de vacinas, por exemplo, foi amplamente desigual, com as nações ricas priorizando suas próprias populações. Isso gerou ressentimento, pois muitos no Sul Global viram nisso mais uma evidência do tratamento diferenciado e injusto dado pelos países ricos. Além disso, as medidas de lockdown, essenciais para conter a disseminação do vírus, foram particularmente difíceis de implementar em países com altas densidades populacionais e infraestrutura de saúde precária.

A pandemia também interrompeu cadeias de produção agrícola, levando à perda de safras inteiras e agravando a insegurança alimentar. Em economias dependentes da agricultura, como muitas no Sul Global, isso teve consequências devastadoras. A recuperação econômica nessas regiões tem sido lenta, refletindo as profundas desigualdades globais que a pandemia acentuou.

A Guerra na Ucrânia e Suas Repercussões

A guerra na Ucrânia, que começou em 2022, trouxe à tona acusações de hipocrisia e “dois pesos, duas medidas” nas políticas internacionais. Enquanto as nações ocidentais e seus aliados impuseram sanções rígidas à Rússia, a resposta de muitos países do Sul Global foi de ceticismo. Mais de 70 países dessa região não apenas se recusaram a sancionar a Rússia, como muitos intensificaram seus laços comerciais com Moscou.

Esse comportamento reflete uma visão mais ampla de desconfiança em relação às potências ocidentais. A guerra entre o Hamas e Israel, por exemplo, aprofundou ainda mais essas divisões, com muitas pessoas no Sul Global questionando por que as ações de Israel são tratadas de forma diferente das ações da Rússia. A percepção de que as nações ocidentais aplicam o direito internacional de maneira seletiva alimenta a narrativa de que essas mesmas nações não estão comprometidas com a justiça global, mas sim com seus próprios interesses.

 

O Legado do Colonialismo e as Novas Alianças

 

O ressentimento no Sul Global não é apenas um produto das desigualdades contemporâneas; ele está profundamente enraizado no passado colonial dessas nações. A memória do colonialismo ainda ressoa, influenciando as atitudes políticas e sociais atuais. Esse sentimento é explorado por potências como a China e a Rússia, que buscam minar as democracias ocidentais e contestar o conceito de direitos humanos universais.

 

Por outro lado, o Sul Global não é um bloco monolítico. Existem profundas diferenças nas alianças e nas políticas externas dessas nações. Países como as Filipinas, Indonésia e Malásia, por exemplo, têm estreitos laços de defesa com os Estados Unidos, enquanto outros países da região têm uma visão mais favorável da China. No entanto, a iniciativa Cinturão e Estrada da China, projetada para fortalecer sua influência no Sul Global, teve resultados mistos, com muitos projetos inacabados ou abandonados, levando a problemas ambientais e dívidas insustentáveis.

A Rússia, por sua vez, enfrenta dificuldades em manter sua influência no Sul Global devido à sua crise econômica interna. O apoio que Moscou oferece a países com ditaduras frágeis é limitado e, em muitos casos, alimenta mais ressentimento do que lealdade.

A Geopolítica da Pobreza no Sul Global

O aumento da pobreza no Sul Global é um sinal de alerta para a comunidade internacional. À medida que as desigualdades se aprofundam, cresce o risco de instabilidade geopolítica. As nações ricas devem reconhecer as falhas na ordem internacional atual e trabalhar para promover uma cooperação mais equitativa. O relatório do Banco Mundial de 2024 deve ser um catalisador para ações que busquem não apenas mitigar os efeitos da pandemia, mas também abordar as causas profundas da pobreza e da desigualdade no Sul Global.

A geopolítica do futuro dependerá de como o mundo responde a esses desafios. É imperativo que as democracias ricas trabalhem para fortalecer suas alianças com as nações do Sul Global, reconhecendo suas diversidades e complexidades, para evitar que o descontentamento se transforme em um desafio maior para a ordem mundial.

 

 



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