Geo Síntese

A Colômbia entre feridas antigas e novas tensões políticas

Do lado de fora da Fundação Santa Fé, em Bogotá, o silêncio só é rompido pelo som suave das preces. Flores, velas e bandeiras nacionais se acumulam como um gesto coletivo de esperança. O nome que ecoa ali, com pesar e apreensão, é o de Miguel Uribe Turbay — senador colombiano de 39 anos, baleado durante um ato político no sábado, 7 de junho. Internado em estado gravíssimo, seu destino se tornou o símbolo de uma nação novamente à beira do abismo político.

Mais do que um atentado isolado, o ataque a Uribe revela um cenário tenso, onde o confronto entre instituições, partidos e discursos ganha contornos de guerra simbólica — e, por vezes, literal. O autor do disparo, um jovem menor de idade, já está sob custódia. Mas o verdadeiro foco do debate nacional agora está nas motivações e no que esse ato representa no contexto sociopolítico da Colômbia.

Um país em suspense

Desde que o tiro foi disparado, a Colômbia vive uma espécie de transe coletivo. A pergunta não é apenas quem apertou o gatilho, mas sim: por quê? As autoridades trabalham com diferentes hipóteses. Seria o atentado uma retaliação direta ao senador conservador? Um ataque simbólico ao partido Centro Democrático, fundado por Álvaro Uribe Vélez? Ou, mais amplamente, uma tentativa de desestabilizar um governo que já se equilibra sobre um campo minado de disputas ideológicas?

Qualquer que seja a resposta, o atentado reabre feridas que a Colômbia nunca chegou a cicatrizar de verdade. Para muitos, o episódio remete imediatamente à fatídica campanha presidencial de 1989, quando três candidatos foram assassinados em apenas seis meses — entre eles, Luis Carlos Galán, o grande nome da luta contra o narcotráfico.

Entre passado e presente

Apesar da gravidade do atentado, especialistas alertam para os riscos de se traçar paralelos precipitados com os tempos mais sangrentos da história colombiana. Laura Bonilla, subdiretora da Fundação Paz e Reconciliação (Pares), aponta que o país já não vive sob o mesmo jugo do narcotráfico dos anos 80 e 90.

“Por mais cruel que tenha sido esse atentado, não estamos mais no nível de submissão do Estado às ondas de violência que tivemos no passado”, afirma. No entanto, ela mesma reconhece que há semelhanças preocupantes. A polarização, a retórica violenta, o uso político do medo — tudo isso cria um ambiente de instabilidade onde a violência tende a florescer.

Uma esquerda no poder, uma direita em alerta

Desde sua chegada à presidência em 2022, Gustavo Petro vem protagonizando embates intensos com o Congresso e setores conservadores. Suas reformas ambiciosas — especialmente nas áreas trabalhista, fiscal e de saúde — têm encontrado forte resistência parlamentar. Em meio a esse impasse, Petro recorreu a uma estratégia arriscada: propor uma consulta popular direta, por meio de decreto, para validar suas reformas.

O gesto foi interpretado por seus opositores como uma ameaça à ordem constitucional. Juristas e políticos classificaram a proposta como um “decretazo”, e Miguel Uribe chegou a anunciar, horas antes de ser baleado, que processaria todos os ministros que assinaram o decreto. A tensão institucional atingiu seu ponto máximo.

O discurso que alimenta a crise

O estilo de comunicação de Petro também tem influenciado o clima político. Em longas postagens nas redes sociais, o presidente ataca adversários com uma linguagem agressiva e por vezes ambígua. Em resposta ao atentado, Petro criticou quem tenta “politizar a tragédia”, mas seus críticos rapidamente apontaram que ele mesmo tem contribuído para um ambiente hostil.

A reação internacional também não tardou. O senador norte-americano Marco Rubio classificou o ataque como “resultado da retórica violenta esquerdista vinda dos níveis mais altos do governo colombiano”. Já a pré-candidata conservadora Vicky Dávilla não hesitou em comparar Petro a um ditador, sugerindo que as Forças Armadas deveriam ficar “em alerta”.

A sombra de um trauma coletivo

A tentativa de assassinato de Miguel Uribe, embora isolada em sua execução, resgata uma memória coletiva dolorosa. A Colômbia dos anos 80 e 90 foi marcada por assassinatos políticos, sequestros, atentados e o poder absoluto dos cartéis.

Em 1990, a taxa de homicídios no país superava os 70 por 100 mil habitantes. Em 2024, esse número caiu para 25,4 — a menor taxa em quatro anos. Ainda assim, o medo persiste, alimentado por um passado que nunca foi totalmente enterrado. Os assassinatos de Luis Carlos Galán, Bernardo Jaramillo e Carlos Pizarro continuam vivos na memória nacional, assim como a morte trágica de Diana Turbay — mãe de Miguel Uribe — em 1991, durante uma operação de resgate mal sucedida após um sequestro ordenado por Pablo Escobar.

Entre a democracia e o precipício

A Colômbia de hoje é, inegavelmente, mais democrática do que era no fim do século XX. A própria eleição de Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda do país, é prova disso. No entanto, democracia não se mede apenas por eleições, mas pela qualidade do debate público, pelo respeito às instituições e pela capacidade de gerir o dissenso.

Quando as palavras são usadas como armas, quando o diálogo dá lugar à intimidação, e quando o confronto político se transforma em violência física, a democracia entra em risco. O atentado contra Miguel Uribe não é apenas um evento trágico: é um sinal de alerta.

Se a Colômbia quiser evitar um retorno aos tempos sombrios, será preciso mais do que investigações e prisões. Será necessário um compromisso coletivo com a reconstrução da confiança institucional, com o fortalecimento da democracia e com a desescalada do discurso político.

Um espelho da América Latina

O caso colombiano não é um fenômeno isolado. Em toda a América Latina, vemos sinais de um ciclo perigoso: polarização extrema, desgaste institucional, populismo e violência política. O Brasil, o Peru, a Argentina e o Equador vivem dilemas semelhantes. A crise na Colômbia reflete, assim, um desafio regional: como preservar a democracia em tempos de desconfiança crônica e radicalização?

Neste momento, enquanto Miguel Uribe luta pela vida, a Colômbia luta por sua alma democrática. E o desfecho de ambos os combates será determinante para o futuro de um país — e, talvez, de uma região inteira.