
No coração político da Colômbia, onde a democracia ainda luta para se consolidar em meio às tensões históricas entre violência e esperança, um novo e trágico capítulo se desenhou. Em pleno ano de 2025, menos de doze meses antes das eleições presidenciais, um atentado em Bogotá reacendeu os fantasmas de um passado que muitos julgavam superado. Miguel Uribe Turbay, senador e candidato à Presidência da República, foi alvejado enquanto discursava num comício público, diante de centenas de apoiadores, na localidade de Fontibón — zona populosa da capital colombiana.
Esse evento, embora possa parecer um episódio isolado, inscreve-se numa longa e dolorosa narrativa latino-americana: a dificuldade de construir instituições democráticas sólidas em meio a polarizações políticas, desigualdades profundas e uma cultura política frequentemente marcada pela violência.
O ataque e a reação imediata
O atentado ocorreu no sábado, 7 de junho, por volta das 17h, horário local (22h em Brasília). Uribe Turbay falava ao público quando foi atingido por disparos. Rapidamente, o pânico se instalou. Vídeos compartilhados nas redes sociais mostraram o momento em que ele caiu, inconsciente, ensanguentado, sendo socorrido por pessoas que o amparavam junto a um veículo.
Ele foi levado às pressas à Fundação Santa Fé de Bogotá, um dos hospitais mais prestigiados da cidade, onde permanece em estado crítico. A comoção foi imediata, e a sociedade colombiana se viu novamente diante do dilema: como seguir adiante quando a violência política volta a ferir um dos seus candidatos presidenciais?
Segundo o prefeito de Bogotá, Carlos Fernando Galán, o autor dos disparos foi detido momentos depois e, surpreendentemente, trata-se de um menor de idade. Esse dado, por si só, lança luz sobre um outro problema crônico do país: o recrutamento de jovens por facções, milícias ou grupos com interesses políticos obscuros, além da banalização da violência na juventude marginalizada.
Um país em ebulição

O atentado contra Uribe Turbay não ocorre em um vácuo político. Ele é resultado de uma semana extremamente tensa na Colômbia. O presidente Gustavo Petro, primeiro líder de esquerda eleito democraticamente no país, vinha tentando implementar uma consulta popular por decreto — uma manobra vista por amplos setores da sociedade como um risco à separação dos poderes e ao próprio estado de direito.
Miguel Uribe Turbay, como senador e líder da oposição pelo partido Centro Democrático (fundado pelo ex-presidente Álvaro Uribe Vélez), foi uma das vozes mais contundentes contra a proposta de Petro. Poucas horas antes do atentado, ele havia declarado publicamente que processaria qualquer ministro que assinasse o decreto, considerando-o inconstitucional.
Petro, em resposta, afirmou que qualquer ministro que não assinasse o decreto seria imediatamente exonerado, o que acirrou ainda mais o clima político. A Colômbia, mais uma vez, encontrava-se diante de uma encruzilhada institucional.
Herdeiro de uma história trágica
Miguel Uribe Turbay carrega no próprio nome o peso de uma linhagem marcada tanto pela relevância política quanto pela dor. Nascido em Bogotá, em 1986, é neto do ex-presidente Julio César Turbay Ayala (1978–1982) e filho da jornalista Diana Turbay, que foi sequestrada em 1990 pelo grupo “Los Extraditables”, liderado por Pablo Escobar. Diana foi assassinada em 1991, durante uma mal-sucedida tentativa de resgate — um episódio que ainda fere a memória coletiva da Colômbia.
A biografia de Miguel é inseparável dessas tragédias. Sua entrada na vida pública tem um componente simbólico: é, ao mesmo tempo, uma tentativa de honrar esse legado e de quebrar o ciclo de violência que atravessa sua própria genealogia. Aos 5 anos, viu a mãe ser vítima de um conflito que ultrapassava os limites do tolerável. Hoje, adulto, senador e aspirante à presidência, ele enfrenta as consequências contemporâneas desse mesmo conflito.
Uma trajetória de prestígio e compromisso público
Advogado formado pela Universidad de los Andes e mestre em Políticas Públicas pela mesma instituição, Uribe Turbay também possui uma pós-graduação em Administração Pública pela renomada Kennedy School de Harvard. Entrou na vida política aos 26 anos, como vereador de Bogotá pelo Partido Liberal, e se destacou por sua atuação focada em segurança urbana e políticas públicas inovadoras.
Em 2016, foi nomeado Secretário de Governo da capital durante a administração de Enrique Peñalosa. Em 2018, recebeu reconhecimento internacional ao ser listado pela organização One Young World como um dos dez jovens políticos mais influentes do mundo.
Dois anos depois, em 2019, lançou sua candidatura à prefeitura de Bogotá, sendo derrotado por Claudia López. Em 2022, voltou com força total: liderando a lista do Centro Democrático ao Senado, foi o parlamentar mais votado do país, com mais de 226 mil votos. Tornou-se, então, uma figura central na oposição ao governo Petro.
O embate ideológico
A postura crítica de Uribe Turbay em relação ao presidente Gustavo Petro se intensificou nos últimos anos. O senador defende um modelo econômico liberal, com foco no crescimento do setor privado, investimentos em infraestrutura e fortalecimento das forças de segurança. Seu discurso também enfatiza a descentralização de serviços e o combate ao clientelismo político.
Por outro lado, Petro tenta consolidar um projeto de reformas sociais abrangentes, com ênfase na redistribuição de renda, no protagonismo do Estado e na ampliação dos direitos trabalhistas. O confronto entre os dois revela a profundidade do fosso ideológico que divide a Colômbia contemporânea.
A proposta de realizar uma consulta popular por decreto foi o estopim da crise. Juristas, partidos de oposição e mesmo setores moderados da sociedade civil alertaram para o risco de ruptura institucional. A tentativa de contornar o Congresso foi recebida como um sinal preocupante de autoritarismo. O “decretaço”, como passou a ser chamado, cristalizou uma semana politicamente inflamável — que culminou com a tragédia do sábado.
Um trauma que reverbera

O atentado contra Miguel Uribe Turbay não é apenas um ataque contra uma pessoa; é um atentado contra o processo democrático colombiano. Num país marcado por décadas de guerra civil, narcotráfico e polarização, cada tentativa de silenciar a política por meio da violência representa um retrocesso histórico.
Ainda não se sabe quem ordenou o ataque, tampouco quais foram suas motivações específicas. Mas seu impacto é imediato: reacende memórias dolorosas, fragiliza as instituições, e lança dúvidas sobre a capacidade da Colômbia de realizar uma eleição livre e segura em 2026.
A violência política, como bem mostrou a história do país ao longo do século XX, nunca é neutra. Ela desestabiliza, amedronta e rompe o tecido social. Ao atacar um candidato, atinge também a cidadania e o direito de escolha.
Geografia da dor e do desafio
A Colômbia é uma nação de contrastes geográficos e humanos. Montanhas majestosas e regiões de selva inóspita convivem com centros urbanos pulsantes e populações vulneráveis. Nesse território de complexidades, a construção democrática é uma travessia lenta, cheia de armadilhas e esperanças.
O atentado a Miguel Uribe Turbay exige uma resposta contundente do Estado, da sociedade civil e da comunidade internacional. Não basta condenar. É preciso investigar, julgar e, sobretudo, proteger. Que este momento trágico não seja o prenúncio de uma escalada, mas um ponto de inflexão. Porque a geografia da paz começa pela geografia do respeito.