Geo Síntese

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Os Quatro Brasis de Milton Santos: Uma Regionalização Estratégica

Descubra a divisão regional de Milton Santos que revela os “Quatro Brasis”, conectando desigualdades territoriais e o capitalismo globalizado.

A proposta de regionalização do Brasil desenvolvida pelos geógrafos Milton Santos e Maria Laura Silveira em 2001 oferece uma leitura única e inovadora do território nacional. Essa divisão, que classifica o Brasil em quatro grandes regiões – Região Concentrada, Centro-Oeste, Nordeste e Amazônica –, transcende os limites tradicionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ao incorporar a difusão dos meios técnicos-científicos-informacionais e as heranças históricas como elementos centrais para entender as dinâmicas socioespaciais. Essa perspectiva reforça a inserção do Brasil como uma economia periférica no capitalismo globalizado, evidenciando a desigualdade intrínseca ao processo de modernização territorial.

Uma Abordagem Diferenciada da Regionalização

Enquanto as regionalizações clássicas se baseiam em aspectos físicos ou econômicos isolados, a divisão de Milton Santos adota uma abordagem integradora. Ela analisa como a história do uso do território moldou fluxos contemporâneos de informação, mercadorias, capital e pessoas. Assim, oferece um mapa dinâmico das redes que sustentam a economia e a sociedade brasileira, com ênfase nas interações entre o espaço e as estruturas sociais.

Região Concentrada: O Epicentro do Capitalismo Nacional

Compreendendo os estados do Sudeste e do Sul (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), a Região Concentrada destaca-se pela consolidação dos meios técnicos e informacionais. É a área onde a modernização do território atingiu seu ápice, abrigando os maiores complexos industriais, redes de transporte mais densas e infraestruturas avançadas, como portos, aeroportos e infovias.

Essa região também se caracteriza pela maior concentração demográfica e urbana, sendo a sede das principais universidades e centros de pesquisa. A agricultura de precisão, apoiada em tecnologias de ponta, contribui significativamente para a balança comercial brasileira. O papel de São Paulo, como pólo centralizador, é inegável: a metrópole conecta as economias regionais às redes globais, reforçando sua posição dominante no cenário nacional.

Região Amazônica: A Fronteira da Modernidade e da Tradição

A Região Amazônica, composta pelos estados do Amapá, Pará, Roraima, Amazonas, Acre e Rondônia, ilustra um território onde a modernização ocorre de forma desigual. A baixa densidade demográfica e a difusão limitada de tecnologias são marcantes. A integração dessa área ao circuito global dá-se predominantemente através de enclaves econômicos, como a Zona Franca de Manaus e o Projeto Grande Carajás.

Ademais, a infraestrutura tecnológica, representada por iniciativas como o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) e o Projeto Radar Amazônia (RADAM), opera como uma ferramenta externa de controle, muitas vezes desvinculada das necessidades locais. Tal dinâmica contrasta com a persistência de sistemas de movimento lento, que continuam a predominar na maior parte da região.

Região Centro-Oeste: A Agroindústria e a Subordinação

Nesta classificação, o Centro-Oeste inclui também o estado do Tocantins, formando uma região caracterizada pela expansão da agroindústria mecanizada e pela produção competitiva de commodities, como soja e milho. Apesar de sua modernização agrícola, a região permanece subordinada aos interesses econômicos e logísticos da Região Concentrada.

A dependência das redes de transporte e dos centros financeiros do Sudeste para escoar sua produção evidencia as assimetrias entre as regiões. Além disso, as áreas de cerrado continuam a enfrentar pressões relacionadas à preservação ambiental, à medida que a expansão agrícola avança sobre ecossistemas frágeis.

Região Nordeste: Rugosidades e Resistências

O Nordeste é definido por uma rica diversidade cultural e um espaço marcado pelas “rugosidades”, heranças de usos passados do território que resistem à modernização. Essas marcas limitam a difusão dos meios técnicos-científicos-informacionais, que se manifestam de forma pontual e fragmentada.

Embora infraestrutura e redes informacionais estejam presentes, sua funcionalidade frequentemente beneficia migrações em direção ao Sudeste, reforçando a condição de “área de repulsão”. As disparidades históricas e a concentração de investimentos em outras regiões tornam desafiadora a superação dessas assimetrias.

A Regionalização e a Inserção Global do Brasil

A proposta de Milton Santos e Maria Laura Silveira não apenas destaca as disparidades internas do Brasil, mas também as conecta ao contexto global. Ao enfatizar a economia periférica do país no capitalismo global, os geógrafos evidenciam como as dinâmicas internas estão intrinsecamente ligadas às demandas e fluxos internacionais.

Por exemplo, enquanto a Região Concentrada opera como um elo ativo no comércio global, a Região Amazônica e o Centro-Oeste são moldadas por pressões externas, sejam elas econômicas, ambientais ou políticas. Já o Nordeste, com sua trajetória histórica de exploração, luta para se posicionar em um cenário dominado pelas redes de poder do capital.

Um Legado Geográfico para o Futuro

A divisão regional proposta por Milton Santos e Maria Laura Silveira continua a ser uma referência indispensável para compreender o Brasil contemporâneo. Ao revelar as desigualdades na difusão das técnicas e no uso do território, ela oferece uma base crítica para a formulação de políticas públicas mais inclusivas e integradoras.

Compreender os “Quatro Brasis” é essencial para abordar questões como o desenvolvimento sustentável, a preservação ambiental e a redução das desigualdades regionais. Nesse sentido, a obra desses geógrafos transcende o campo acadêmico e se torna uma ferramenta prática para a construção de um futuro mais equitativo para todos os brasileiros.