Iris Mühler, professora de engenharia no nordeste da Alemanha, não está sozinha ao demonstrar apreensão sobre o impacto da volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Suas preocupações ressoam com muitas outras vozes no continente europeu, especialmente considerando o contexto de eleições antecipadas em fevereiro.
Apesar de enfrentar desafios internos significativos – especialmente na Alemanha e na França, as duas maiores economias da União Europeia (UE) –, o continente não tira os olhos de Trump desde sua vitória presidencial. Para muitos líderes e cidadãos, o fantasma de Trump 2.0 traz lembranças turbulentas de seu primeiro mandato e levanta dúvidas sobre a preparação da Europa para lidar com suas políticas imprevisíveis e agressivas.
Trump e o Paradigma Transatlântico
Diferentemente de seus antecessores que valorizavam as alianças transatlânticas forjadas desde a Segunda Guerra Mundial, Trump se posiciona como um empresário transacional. Ele vê a relação com a Europa como um jogo de soma zero, onde há vencedores e perdedores. A ex-chanceler alemã Angela Merkel comentou certa vez que Trump acredita que a Europa explorou os Estados Unidos por anos – uma narrativa que ele parece determinado a reverter.
No campo do comércio, Trump criticou duramente o superávit comercial da UE com os EUA, que atingiu €15,4 bilhões em janeiro de 2022. Suas ameaças de impor tarifas de 10-20% sobre importações europeias, incluindo carros, representam um golpe potencialmente devastador para a Alemanha, cuja economia depende fortemente das exportações industriais. Com uma economia já fragilizada – encolhendo 0,2% no último ano –, a perspectiva de uma guerra comercial coloca a Alemanha e toda a zona do euro em alerta máximo.
OTAN e Defesa Europeia
Na esfera da segurança, Trump já expressou descontentamento com a OTAN, sugerindo até a possibilidade de abandonar a aliança. Ele exige que os países europeus aumentem significativamente seus gastos com defesa, ameaçando “incentivar” a Rússia a agir caso esses gastos não sejam elevados.
Embora a ideia de investir mais em defesa seja amplamente aceita, a abordagem de Trump é vista como divisiva. O presidente francês Emmanuel Macron tem defendido uma política de defesa integrada da UE, argumentando que a fragmentação nas estratégias de segurança é uma fraqueza. Ele usa como exemplo a guerra na Ucrânia, onde armas europeias, em alguns casos, não eram compatíveis entre si.
Além disso, a relação entre defesa e comércio ganha uma nova camada de complexidade com Trump. Suas recentes ameaças à Dinamarca, caso não entregasse a Groenlândia aos EUA, e sua ligação com o bilionário Elon Musk, ilustram como questões geopolíticas e econômicas estão entrelaçadas em seu governo.
A Influência de Elon Musk e os Desafios Europeus
A presença de Elon Musk na política europeia também não pode ser ignorada. Musk, frequentemente alinhado aos interesses de Trump, tem se posicionado contra líderes europeus de centro-esquerda e manifestado apoio a partidos nacionalistas, como o AfD na Alemanha. Embora suas declarações possam não ter grande influência na opinião pública, elas aumentam a sensação de incerteza sobre o papel dos EUA na política europeia.
Essa incerteza é amplificada por possíveis desdobramentos de uma guerra comercial entre EUA e China. A Europa, já exposta economicamente, poderia enfrentar interrupções em suas cadeias de suprimentos e uma inundação de produtos chineses baratos em seus mercados, prejudicando indústrias locais.
O Dilema Europeu: Resistir ou Adaptar-se?
Os líderes europeus têm adotado diferentes estratégias para lidar com Trump. Macron, por exemplo, aposta no charme e na diplomacia. Ele foi um dos primeiros a parabenizá-lo publicamente por sua reeleição e o convidou para eventos simbólicos, como a reabertura da Catedral de Notre Dame.
Outros, como Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, sugerem uma abordagem pragmática, comprando mais gás natural liquefeito (GNL) e produtos agrícolas dos EUA, ao mesmo tempo em que investem em maior autossuficiência energética e industrial.
A chefe do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, acredita que negociar com Trump pode ser mais eficaz do que retaliar suas políticas protecionistas. Essa estratégia é especialmente relevante para países como a Alemanha, cujas indústrias automotivas estão na linha de frente de possíveis tarifas.
Lições do Passado e Caminhos para o Futuro
Apesar de toda a preocupação, a Europa demonstrou resiliência nos últimos anos. Desde 2016, o continente enfrentou a crise migratória, o Brexit, a pandemia de Covid-19 e a invasão russa na Ucrânia – desafios que testarão sua unidade e força institucional.
Por outro lado, a ascensão de partidos nacionalistas e eurocéticos em países como Itália e Alemanha ameaça essa unidade. Líderes como Giorgia Meloni podem ser tentados a priorizar relações bilaterais com Trump em detrimento de uma política europeia coesa.
Macron, em uma declaração recente, resumiu bem o dilema europeu: “A Europa pode morrer, e isso depende inteiramente de nossas escolhas.”
O retorno de Trump à Casa Branca deve ser encarado como uma oportunidade para a Europa consolidar sua autonomia estratégica, fortalecer suas instituições e buscar maior coesão interna. Só assim o continente poderá enfrentar os desafios de um cenário global cada vez mais imprevisível.
Um Novo Capítulo Transatlântico
Embora os analistas concordam que a Europa está mais fraca economicamente do que em 2016, há sinais de que o continente também está mais preparado politicamente. O fortalecimento da OTAN com a adesão da Suécia e da Finlândia, o avanço na diversificação energética e o aumento dos gastos com defesa indicam que a Europa está aprendendo com as crises passadas.
No entanto, a grande questão permanece: os líderes europeus serão capazes de resistir às pressões.