Durante milênios, os seres humanos buscaram fontes de alimento que garantem nutrição, sabor e disponibilidade. À medida que a população mundial cresce — estimada para ultrapassar os 9 bilhões até 2050 — e os recursos naturais se tornam mais escassos, surge uma pergunta incômoda, mas necessária: será que o futuro da alimentação humana pode estar nos insetos?
Pode soar estranho, até mesmo repulsivo para alguns, mas a resposta pode ser um sonoro “sim”. A entomofagia — o consumo de insetos por humanos — vem conquistando espaço no debate sobre segurança alimentar e sustentabilidade. Embora pareça uma novidade para o Ocidente, essa prática já é comum em diversas culturas do mundo, especialmente na Ásia, África e América Latina.
Desde 2014, quando a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) publicou o influente relatório Edible Insects: Future Prospects for Food and Feed Security, a discussão sobre o papel dos insetos comestíveis no sistema alimentar global ganhou impulso. Nesse relatório, a FAO destaca não apenas o valor nutricional desses pequenos animais, mas também sua eficiência ecológica e potencial econômico.
Um impacto ambiental consideravelmente menor
Uma das maiores críticas à produção tradicional de carne — seja bovina, suína ou de aves — é o elevado custo ambiental. Dados indicam que para cada quilo de carne de frango produzido, por exemplo, emitem-se cerca de 4,5 quilos de dióxido de carbono equivalente (CO₂e), uma medida que permite comparar o efeito estufa de diferentes gases. Em contraste, a criação de larvas de besouro-da-farinha (Tenebrio molitor) emite apenas 2,8 quilos de CO₂e por quilo produzido.
Mas os benefícios não param por aí. A criação de insetos demanda significativamente menos água e terra. Para produzir 1 quilo de carne de frango, são necessários 12,48 metros quadrados de terra; para o mesmo peso em larvas de farinha, apenas 3,07 metros quadrados são suficientes. Esses dados tornam os insetos uma alternativa promissora em tempos de aquecimento global e escassez hídrica.
Custo e acessibilidade: um ponto a favor da micropecuária
De acordo com dados de 2021, uma dieta saudável custa em média US$3,66 por pessoa por dia. Isso pode parecer pouco à primeira vista, mas representa uma barreira intransponível para cerca de 42,2% da população mundial. É aqui que os insetos comestíveis se apresentam como uma solução concreta, especialmente para populações em situação de insegurança alimentar.
Com estruturas de criação mais simples, exigindo menos espaço e investimento, os sistemas de “micropecuária” — pequenas criações voltadas para o consumo doméstico ou local — oferecem um modelo sustentável e acessível de produção proteica. Além disso, a reprodução rápida dos insetos e sua capacidade de se alimentar-se de resíduos orgânicos os tornam extremamente eficientes.
Proteína de alta qualidade: pequenos, mas poderosos
No universo da nutrição, os números falam alto. Em peso seco, os grilos domésticos (Acheta domesticus) contêm cerca de 62,6% de proteínas, enquanto as larvas de besouro-do-estábulo (Alphitobius diaperinus) oferecem 50,79%. Para fins de comparação, a carne bovina possui apenas 24,1%, o frango 21% e a carne suína 22,2%.
Mas como isso se traduz em consumo real?
A ingestão diária recomendada de proteína é de 0,83 gramas por quilo de peso corporal. Assim, uma pessoa de 70 quilos precisa de aproximadamente 58 gramas de proteína por dia. Para atingir essa meta, seriam necessários cerca de 277 gramas de carne bovina — ou apenas 93 gramas de grilos secos. Já uma pessoa com 80 quilos precisaria de 276 gramas de frango, mas apenas 131 gramas de gafanhoto-migratório (Locusta migratoria), se este fosse a única fonte de proteína.
Essa alta densidade proteica, somada ao menor volume necessário de ingestão, coloca os insetos na vanguarda da eficiência nutricional. No entanto, é importante lembrar que uma dieta saudável não depende apenas de proteínas: a diversidade alimentar continua sendo essencial para suprir gorduras boas, carboidratos, fibras, vitaminas e minerais.
Versatilidade e aproveitamento total
Outro argumento robusto a favor dos insetos está na taxa de aproveitamento do animal. Enquanto apenas 40% a 50% do corpo de um boi é aproveitado como alimento, os insetos oferecem entre 70% e 100% de aproveitamento. Isso significa menos desperdício, maior eficiência e menor impacto ambiental por unidade de alimento produzido.
Além das proteínas, os insetos também são fontes ricas em ácidos graxos monoinsaturados — os mesmos encontrados no azeite de oliva —, que contribuem para a saúde cardiovascular. Em média, eles apresentam cerca de 60% desse tipo de gordura, o que os torna ainda mais atrativos do ponto de vista nutricional.
Superando o fator cultural e sensorial
É verdade que, para muitas culturas ocidentais, o consumo de insetos ainda causa repulsa. No entanto, esse obstáculo é sobretudo psicológico e cultural, não racional. Cozinheiros ao redor do mundo já estão experimentando formas criativas e saborosas de introduzir insetos na alimentação, seja como farinha proteica, snacks crocantes ou como ingredientes gourmet.
Na Tailândia, por exemplo, grilos fritos são vendidos como petisco nas ruas. No México, os chapulines (gafanhotos tostados com limão e sal) são uma iguaria tradicional. Na China, larvas, escorpiões e besouros aparecem em mercados populares e pratos requintados. Em todas essas regiões, o consumo de insetos é associado à identidade cultural e ao prazer gastronômico.
Pesquisadores têm sugerido, inclusive, que a combinação de insetos com ingredientes já familiares — como sementes de abóbora, pinhão, abacate ou até mesmo camarão — pode facilitar sua aceitação. Essa abordagem sensorial pode transformar o inseto de um “alimento estranho” para uma opção exótica, saudável e deliciosa.
O futuro está mais próximo do que parece
A pergunta que muitos ainda fazem é: “Será que conseguiremos mudar nossos hábitos alimentares a tempo de evitar uma crise alimentar global?” A entomofagia, longe de ser uma moda passageira, se apresenta como uma alternativa real, prática e sustentável.
Claro, ainda existem desafios a superar: a regulamentação sanitária, a padronização industrial, a adaptação cultural e a aceitação do consumidor. No entanto, à medida que os benefícios ambientais, econômicos e nutricionais se tornam mais conhecidos, é possível que a ideia de consumir insetos deixe de parecer estranha — e passe a soar como uma escolha inteligente.
Seja por necessidade, inovação ou consciência ambiental, o mundo está prestes a descobrir que, sim, o futuro da alimentação pode estar em nossas menores criaturas. E talvez, nesse futuro, grilos e larvas sejam mais que alimento: sejam símbolos de um planeta que aprendeu a se alimentar com inteligência e equilíbrio.