As crescentes alianças entre Rússia e Coreia do Norte desafiam a China e revelam tensões na geopolítica do leste asiático. Entenda as consequências.
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Ao longo das últimas décadas, as relações entre China e Coreia do Norte passaram por uma série de altos e baixos, com Pequim desempenhando um papel crucial na estabilidade do regime norte-coreano. Na cidade de Fangchuan, localizada no extremo nordeste da China, turistas chineses observam a fronteira onde China, Rússia e Coreia do Norte se encontram. A área oferece uma das poucas visões desobstruídas da Coreia do Norte, permitindo aos visitantes um vislumbre da vida do outro lado do rio Tumen, que separa a Coreia do Norte da China e representa um símbolo de vigilância e limites.
Fangchuan é mais do que um simples ponto turístico; é um espaço onde o olhar para a Coreia do Norte se torna um exercício de contraste com a China moderna e próspera. Os turistas observam cenas cotidianas de uma vila norte-coreana por telescópios e binóculos. “Eu vi uma pessoa andando de bicicleta”, diz uma jovem chinesa ao ver um habitante da vila. A visão da Coreia do Norte desperta uma sensação de mistério, uma realidade paralela marcada por escassez, enquanto o lado chinês prospera em um contexto econômico robusto.
Contudo, o simples olhar entre as duas margens é repleto de tensões. Pequim está “presa” em um dilema diplomático complexo. Enquanto a China busca consolidar-se como uma força estabilizadora e uma potência global, a aliança cada vez mais próxima entre Vladimir Putin e Kim Jong Un vem causando inquietação em Pequim e reverberando nos cenários geopolíticos mundiais. Nas últimas semanas, surgiram notícias de que tropas norte-coreanas estariam sendo enviadas para auxiliar a Rússia na Ucrânia, embora Moscou e Pyongyang neguem oficialmente a presença de soldados norte-coreanos em combate.
A Relação China-Coreia do Norte e o Efeito Rússia
O apoio da Coreia do Norte à Rússia é uma situação delicada para Pequim. Tradicionalmente, a China mantém um controle rigoroso sobre suas relações com Pyongyang, fornecendo ao país vizinho mais de 90% de seu comércio exterior, incluindo suprimentos de alimentos e combustíveis. Essa dependência cria uma influência fundamental para a China sobre o regime norte-coreano, porém, a aproximação entre Kim Jong Un e Vladimir Putin ameaça minar essa relação.
A aliança entre Rússia e Coreia do Norte já começou a incomodar a diplomacia chinesa. Segundo Christopher Green, analista do International Crisis Group, “a China busca um relacionamento com um nível razoável e alto de controle sobre a Coreia do Norte, e o relacionamento da Coreia do Norte com a Rússia ameaça minar isso”. A China se vê em uma posição de instabilidade, especialmente num momento em que o Ocidente intensifica as tensões e pressiona Pequim sobre questões de direitos humanos, comércio e apoio tácito à Rússia.
Em uma tentativa de retomar o controle da situação, o líder chinês Xi Jinping teria que negociar cuidadosamente as alianças regionais, mas a crescente tensão tem mostrado o quanto Pequim tem lutado para conter a influência de Moscou sobre Pyongyang. Enquanto a China pretende ser uma liderança global em uma nova ordem multipolar, vê-se, no entanto, numa posição onde um aliado iniciou um conflito na Europa e outro é acusado de apoiar esse mesmo conflito com suprimentos e, possivelmente, tropas.
Tensões Aumentam: Impactos e Incertezas para a China
Além da complexidade do alinhamento Coreia do Norte-Rússia, o comportamento agressivo de Kim Jong Un contra Seul adiciona uma nova camada de preocupações para Pequim. A recente ameaça de um ataque nuclear e o lançamento de mísseis balísticos de longo alcance intensificaram as tensões na Península Coreana, gerando temor de que Seul possa repensar sua posição pacifista e debater, pela primeira vez em décadas, o desenvolvimento de armas nucleares próprias.
Essa possibilidade foi levantada pelo presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol, que recentemente discutiu contramedidas e alianças de segurança com a Otan. A presença de tropas norte-coreanas ao lado da Rússia, caso confirmada, representaria um desafio à política de “três nãos” da China, que inclui o não apoio a uma Coreia do Norte nuclear. Uma Coreia do Sul com arsenal nuclear desestabiliza ainda mais a região e, consequentemente, a posição da China.
A aproximação entre Kim e Putin sinaliza um afastamento de Pequim. Durante a celebração dos 75 anos de relações entre a China e a Coreia do Norte, um evento de grande significado histórico, Kim se manteve formal com Xi, enquanto chamou Putin de “meu camarada mais próximo” no aniversário do líder russo. Esse simbolismo é significativo e potencialmente inquietante para Xi Jinping, que busca consolidar uma posição de liderança com Pyongyang e Moscou.
Pequim e suas Opções
A questão que se impõe é: como a China responderá? Pequim tem um leque de opções para lidar com Pyongyang, incluindo sanções e restrições de comércio e fornecimento de petróleo. No entanto, ações drásticas contra a Coreia do Norte poderiam desencadear uma crise de refugiados na fronteira sino-coreana, situação que a China quer evitar a todo custo.
Ainda assim, a presença de tropas norte-coreanas no campo de batalha ucraniano, caso confirmada, obrigaria Pequim a tomar uma posição mais clara. Na última semana, diplomatas chineses discutiram o assunto com representantes dos Estados Unidos, indicando que a China vê com apreensão o fortalecimento das relações Rússia-Coreia do Norte.
Em meio à complexa política de equilíbrio entre Rússia e Coreia do Norte, a China pode adotar uma postura mais vigilante, limitando a cooperação militar e tecnológica com Pyongyang. Para a China, manter a estabilidade no nordeste da Ásia é fundamental, e, embora ela evite uma intervenção direta, uma Coreia do Norte mais alinhada a Moscou gera sérios riscos para as ambições geopolíticas chinesas.
A Estratégia Chinesa para Conter o Avanço Norte-Coreano
Para a China, o comportamento de Kim Jong Un representa não apenas um desafio diplomático, mas também uma potencial ameaça à segurança regional. Se a aliança entre Rússia e Coreia do Norte crescer e Moscou fornecer tecnologia militar avançada a Pyongyang, incluindo satélites e armamentos, Pequim terá que rever suas estratégias na região. A China quer evitar, a qualquer custo, a proliferação de tecnologia nuclear e mísseis balísticos na Coreia do Norte, o que traria uma instabilidade considerável à região.
A retórica mais agressiva de Kim contra Seul e as ameaças de Pyongyang têm potencial de atrair uma resposta militar mais robusta dos Estados Unidos, o que dificultaria o equilíbrio de forças que Pequim deseja no nordeste da Ásia.
Por ora, a China opta por uma postura de cautela, monitorando de perto as movimentações de Kim e Putin, e buscando manter as relações com o Ocidente. Pequim sabe que qualquer ação precipitada poderia desencadear uma série de eventos desfavoráveis, tanto no front interno, com uma possível crise de refugiados norte-coreanos, quanto no front externo, com o fortalecimento das alianças militares dos Estados Unidos com seus parceiros asiáticos.
A aposta de Pequim é a de que Kim Jong Un, embora imprevisível, reconheça o apoio chinês e continue a depender da aliança com a China para a sobrevivência de seu regime. Mas as manobras de Kim para fortalecer seus laços com Putin desafiam essa expectativa e podem pressionar Pequim a reavaliar seu papel como principal apoiadora da Coreia do Norte. Em meio a esse cenário volátil, Pequim enfrenta uma escolha complexa: atuar para conter a influência russa sobre Pyongyang ou se resignar a uma nova ordem na qual a Coreia do Norte, assim como a Rússia, podem estar fora de seu controle.