Em meio à terra que deu ao mundo os grandes ícones da indústria automobilística, um pequeno pedaço dos Estados Unidos resiste bravamente ao avanço dos motores. Situada no norte de Michigan, às margens do Lago Huron, a Ilha Mackinac é uma relíquia viva de tempos mais tranquilos. Com apenas 3,8 km², a ilha abriga cerca de 600 moradores fixos — e, surpreendentemente, nenhum automóvel.
Embora o estado de Michigan seja conhecido mundialmente como a “capital do carro”, graças a cidades como Detroit e marcas como Ford, General Motors e Chrysler, Mackinac decidiu seguir outro rumo. Desde 1898, veículos motorizados são proibidos na ilha, uma decisão nascida da preocupação com os cavalos locais, assustados pelos primeiros automóveis que tentaram circular por ali. E assim, mais de um século depois, cavalos e bicicletas seguem sendo os protagonistas da mobilidade.
A gênese da proibição
O estopim para essa peculiar escolha ocorreu em 1898, quando um carro, ao dar partida de forma barulhenta, causou pânico entre os cavalos, então essenciais para transporte e trabalho. Preocupados com a segurança e o modo de vida local, as autoridades rapidamente baniram os motores de combustão interna. Dois anos depois, a restrição foi estendida a toda a ilha — uma regra que se mantém até hoje.
Assim, enquanto o restante do país mergulhava na febre dos automóveis, Mackinac preservava suas ruas para as patas dos cavalos e as rodas das bicicletas. Até mesmo carrinhos de golfe, tão comuns em áreas turísticas, são proibidos, reforçando o compromisso da ilha com seu ritmo sereno.
O cotidiano sem motores
Viver sem carros não é apenas uma curiosidade em Mackinac: é parte essencial de sua identidade. Os cavalos desempenham funções vitais: puxam carroças de lixo, entregam encomendas — inclusive da FedEx — e transportam visitantes em charmosas carruagens. Durante o verão, a ilha vê seu número de habitantes temporários disparar, recebendo cerca de 1,2 milhão de turistas que chegam de balsa desde Mackinaw City ou St. Ignace.
A artesã Tracey Morse, moradora da ilha desde os anos 1990, resume bem o espírito local: “O cavalo é rei aqui”. Para ela, o fato de se locomover de bicicleta ou carruagem é uma tradição, mas também uma filosofia de vida. “Você está sempre cumprimentando e falando com as pessoas”, diz ela. “O ritmo aqui é humano.”
E de fato, em Mackinac, o tempo parece fluir de maneira diferente.
Herança indígena e memória viva
Muito antes de se tornar refúgio de industriais e turistas, a Ilha Mackinac já era um local sagrado para os povos indígenas Anishinaabe. Eles batizaram a ilha de Micheli Mackinac, ou “lugar da grande tartaruga”, em referência ao formato da ilha vista de longe.
A posição estratégica entre o Lago Huron e o Lago Michigan fazia da ilha um ponto crucial para a caça, pesca e comércio. Vestígios arqueológicos revelam que a presença humana ali remonta a pelo menos 3.000 anos. Essa história é preservada e contada hoje no Museu Nativo Americano da Ilha Mackinac, localizado na histórica Biddle House, fruto do trabalho de Eric Hemenway, líder indígena comprometido com a memória de seus ancestrais.
Como destaca Hemenway: “As camadas deste lugar estão lá. As águas foram, e continuam sendo, as verdadeiras rodovias do Centro-Oeste americano.”
Um refúgio para a elite e para a memória
No final do século XIX, Mackinac virou destino da elite de Chicago, Detroit e outras cidades prósperas do Centro-Oeste. As famílias ricas buscavam refúgio do calor e da poluição urbana, encantadas com as florestas, penhascos e águas cristalinas da ilha.
Testemunha viva desta era dourada é o majestoso Grand Hotel, inaugurado em 1887. Com seus quartos individualmente decorados e a varanda mais longa do mundo, o hotel permanece como um dos poucos remanescentes ativos da Era Dourada americana. Recentemente, a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, propôs — ainda que de maneira bem-humorada — que a quarta temporada da série da HBO “The White Lotus” fosse filmada lá.
Embora o turismo seja vital para a economia local, moradores como Tracey Morse se mostram cautelosos: “Tenho orgulho daqui, mas às vezes penso que é melhor não espalhar muito como esse lugar é especial.”
Natureza exuberante e vida ao ar livre
A beleza natural da Ilha Mackinac é preservada em grande parte graças ao Parque Estadual da Ilha Mackinac, que cobre 80% de seu território. Nele, visitantes podem percorrer antigas florestas, explorar trilhas que totalizam mais de 70 milhas e se maravilhar com formações rochosas como o icônico Arch Rock, um arco natural de calcário com 15 metros de largura.
Além disso, é possível alugar cavalos ou bicicletas para explorar a ilha em seu próprio ritmo. A trilha que circunda a ilha oferece vistas impressionantes da Ponte Mackinac, uma das maiores pontes suspensas do mundo, e acesso a praias tranquilas de seixos.
No verão, o Festival das Lilases celebra as flores que tingem as ruas de roxo e perfumam o ar, atraindo visitantes de todas as idades. E para os amantes do céu noturno, o Fort Holmes — ponto mais alto da ilha — proporciona uma visão deslumbrante das estrelas.
Desafios e recompensas do inverno
O inverno em Mackinac é rigoroso e isolado. Quando o gelo fecha os canais, o transporte de e para a ilha fica restrito, tornando a vida ali ainda mais desafiadora. Cerca de 20 a 30 cavalos permanecem para garantir a continuidade das atividades essenciais, recolhendo lixo e entregando mercadorias.
Ainda assim, para os que escolhem viver ali o ano todo, como Morse, as recompensas são imensas. “Pedalar entre as árvores a caminho do trabalho é algo que simplesmente me enche de paz”, comenta ela.
Mackinac, com seus cavalos, bicicletas e ausência de motores, oferece uma lembrança valiosa de que outro modo de vida é possível — mais lento, mais próximo da natureza e, quem sabe, mais humano.
Enquanto o resto do mundo acelera, esta pequena ilha nos convida a desacelerar, respirar fundo e lembrar de que o tempo, afinal, também é uma questão de escolha.