Vivemos em uma era em que infecções comuns, uma vez tratáveis com antibióticos, estão se tornando ameaças cada vez mais sérias devido à resistência antimicrobiana. Este fenômeno, longe de ser uma possibilidade remota, já é uma realidade alarmante. Em 2019, mais de 1,2 milhão de pessoas morreram devido a infecções bacterianas resistentes a antibióticos, e as projeções são sombrias: até 2050, esse número pode saltar para 10 milhões, superando até mesmo as mortes causadas por câncer. Apesar de a resistência antimicrobiana ser um problema amplamente reconhecido há algum tempo, a resposta global tem sido lenta e insuficiente.
A Natureza da Resistência Antimicrobiana
Os antimicrobianos, uma categoria que inclui antibióticos, antivirais e antifúngicos, são essenciais na medicina moderna. A Organização Mundial da Saúde (OMS) os considera “a pedra angular da medicina moderna”, uma vez que são usados para eliminar ou inibir o crescimento de microrganismos patogênicos. No entanto, a demanda por essas substâncias disparou nas últimas décadas, particularmente na agricultura. Além de tratar doenças em animais, os antimicrobianos são frequentemente utilizados profilaticamente e como promotores de crescimento em pecuária. Este uso excessivo e inadequado tem contribuído para o desenvolvimento de bactérias resistentes, que se disseminam pela cadeia alimentar, comprometendo a eficácia dos antibióticos destinados ao tratamento de infecções humanas.
O Impacto da Agricultura na Resistência Antimicrobiana
O impacto do uso indiscriminado de antimicrobianos na agricultura é alarmante. Estudos indicam que em muitos países, o consumo de antimicrobianos na pecuária supera o uso humano. Em 2017, uma pesquisa liderada pelo One Health Trust revelou que 73% dos antimicrobianos utilizados globalmente naquele ano foram administrados ao gado. Em resposta a essa situação crítica, o Grupo de Líderes Globais sobre Resistência Antimicrobiana (GLGAMR) propôs uma redução de 30 a 50% no uso de antimicrobianos na agricultura até 2030, além da erradicação completa de antibióticos críticos em gado saudável e em culturas.
Progressos e Desafios na Redução do Uso de Antimicrobianos
Alguns avanços foram alcançados nesse cenário. Em 2022, por exemplo, a proibição do uso rotineiro de antibióticos em gado saudável na União Europeia resultou em uma diminuição de 12,7% nas vendas de antibióticos agrícolas em 31 países. No entanto, o progresso não é uniforme. Nos países de baixa e média renda (LMICs), o aumento da demanda por carne, impulsionado pelo crescimento populacional e pela elevação da renda, está exacerbando a produção intensiva de gado e, consequentemente, o uso de antimicrobianos. Estima-se que o uso global de antibióticos aumente em 8% até 2030, com o maior crescimento esperado em LMICs como o Paquistão, onde o uso pode crescer até 44%.
Desafios Específicos para os Países em Desenvolvimento
O desafio é particularmente grande para os LMICs, onde as metas globais propostas para reduzir a resistência antimicrobiana podem ser vistas como irrealistas. Timothy Walsh, diretor de biologia do Ineos Oxford Institute for Antimicrobial Research, adverte que metas muito ambiciosas e prazos curtos podem desmotivar países que enfrentam dificuldades significativas. Ele destaca que a implementação bem-sucedida de estratégias para reduzir o uso de antibióticos requer apoio financeiro sustentado e soluções alternativas viáveis. Caso contrário, a proibição sem alternativas pode levar a uma redução na produção de carne, aumento dos preços e perda de renda para os agricultores, exacerbando a pobreza global.
O Caso do Paquistão e a Realidade da Agricultura Local
O Paquistão, o terceiro maior produtor de laticínios do mundo, é um exemplo claro dos desafios enfrentados pelos LMICs. A agricultura no país é a principal fonte de emprego, e muitos produtores de leite enfrentam condições adversas, como clima quente e acesso limitado a práticas e serviços veterinários modernos. Em um estudo realizado no Centro de Estudos de Desenvolvimento Sustentável em Lahore, descobriu-se que, embora 60% dos produtores de leite estivessem cientes dos riscos associados ao uso excessivo de antibióticos, mais de 90% relataram que o custo de completar um ciclo de antibióticos era proibitivo. Muitas vezes, os produtores mantêm os antibióticos para uso futuro ou para compartilhar com outros.
Soluções e Caminhos a Seguir
Embora existam ferramentas eficazes para combater a resistência antimicrobiana, como programas de vacinação e práticas melhoradas de criação de animais, muitos países ainda carecem do suporte necessário para implementá-las. Walsh ressalta que, enquanto os países de alta renda têm reduzido seu próprio uso de antibióticos, paradoxalmente, continuam a exportar drogas como a colistina, um antibiótico de último recurso, para os LMICs. O custo atual de fornecer esse suporte é estimado em US$ 46 bilhões por ano. No entanto, sem ação rápida, a resistência antimicrobiana pode elevar os custos globais de saúde em US$ 412 bilhões por ano até 2035.
Conclusão
A luta contra a resistência antimicrobiana é um desafio global que exige uma abordagem coordenada e multifacetada. A crise não pode ser enfrentada apenas com políticas de redução de antimicrobianos; é necessário um esforço contínuo para desenvolver alternativas, apoiar países em desenvolvimento e reavaliar a forma como lidamos com a produção agrícola e a saúde pública. Se não agirmos com urgência e eficácia, corremos o risco de retornar a uma era em que infecções comuns se tornam incontroláveis, com consequências devastadoras para a saúde global.