Os oceanos congelados da Terra desempenham um papel fundamental na regulação do clima global. Como gigantescos espelhos naturais, as vastas camadas de gelo nos pólos refletem a luz solar de volta ao espaço, ajudando a manter o planeta mais frio. No entanto, dados de satélite revelam um quadro alarmante: a extensão do gelo marinho está em um nível historicamente baixo, tanto no Ártico quanto na Antártida.
Essa redução drástica não apenas acelera o aquecimento global, mas também ameaça a estabilidade de ecossistemas inteiros e pode alterar a circulação oceânica que sustenta o clima da Terra. Especialistas alertam que as mudanças vistas hoje não são eventos passageiros, mas sim indícios de um novo regime climático.
Um recorde preocupante: o que os dados mostram?
Nos cinco dias até 13 de fevereiro de 2025, a extensão combinada do gelo marinho no Ártico e na Antártida foi de apenas 15,76 milhões de quilômetros quadrados. Esse número quebra o recorde anterior, registrado entre janeiro e fevereiro de 2023, quando a cobertura de gelo havia sido de 15,93 milhões de quilômetros quadrados.
Os dados vêm do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA (NSIDC) e indicam uma tendência preocupante. No Ártico, a extensão do gelo marinho está no menor nível já registrado para essa época do ano, enquanto na Antártida, a cobertura de gelo se aproxima de um novo mínimo histórico desde o início dos registros por satélite, na década de 1970.
O derretimento do Ártico: um fenômeno já conhecido
O declínio do gelo marinho no Ártico não é novidade. Desde os anos 1980, a cobertura de gelo na região tem diminuído de forma constante. No final do verão, que marca o pico do derretimento, a média da extensão do gelo caiu de cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados para 4,5 milhões de quilômetros quadrados nas últimas décadas.
O Ártico aquece quase quatro vezes mais rápido que a média global, impulsionado por um ciclo vicioso conhecido como amplificação polar. À medida que o gelo reflete menos luz solar e o oceano exposto absorve mais calor, a temperatura local aumenta ainda mais, acelerando o derretimento.
Além das temperaturas oceânicas mais elevadas, tempestades recentes também desempenharam um papel no atual nível historicamente baixo da cobertura de gelo. No final de 2024, o gelo ao redor da Baía de Hudson teve um congelamento tardio devido a águas excepcionalmente quentes. Da mesma forma, ventos intensos perturbaram a camada de gelo nos mares de Barents e Bering, exacerbando o problema.
“Uma cobertura de gelo mais fina é mais responsiva ao clima”, explica Julienne Stroeve, professora da University College London. “Isso significa que eventos climáticos podem ter um impacto muito maior do que antes.”
Em fevereiro de 2025, as temperaturas no Polo Norte estavam cerca de 20°C acima do normal, provocando um derretimento incomum para essa época do ano. Isso sugere que, embora as condições possam variar, a tendência de longo prazo aponta para um Ártico cada vez mais vulnerável ao colapso total do gelo marinho no verão.
A transformação inesperada da Antártida
Por muito tempo, o gelo marinho da Antártida parecia resistir às previsões de declínio. Durante décadas, sua extensão variava, mas sem apresentar uma tendência clara de encolhimento. No entanto, isso mudou drasticamente nos últimos anos.
Desde meados da década de 2010, a Antártida tem registrado seguidos recordes de baixas extensões de gelo marinho, um fenômeno que intriga cientistas. Walter Meier, pesquisador sênior do NSIDC, sugere que o continente entrou em uma nova fase climática. “Cada novo conjunto de dados indica que essa não é uma mudança temporária, mas algo mais permanente, semelhante ao que aconteceu no Ártico.”
A Antártida, ao contrário do Ártico, não é cercada por terra, mas sim por oceanos, tornando seu gelo marinho mais fino e móvel. Essa característica o torna particularmente sensível a ventos que quebram a camada de gelo, reduzindo ainda mais sua extensão. Mas o papel do aquecimento global é inegável.
Altas temperaturas atmosféricas em dezembro de 2024 e janeiro de 2025 causaram um derretimento intenso nas plataformas de gelo da Antártida. Segundo Tom Bracegirdle, pesquisador do British Antarctic Survey, “as condições atmosféricas nesse período favorecem fortemente o derretimento da superfície”.
Esse degelo acelerado preocupa especialistas porque o gelo marinho da Antártida influencia diretamente a circulação oceânica global. O derretimento afeta a formação de águas frias e densas que impulsionam as correntes marinhas, regulando temperaturas em diversas partes do planeta.
Simon Josey, professor do Centro Nacional de Oceanografia, ressalta a gravidade da situação: “Se virmos outra forte perda de gelo no inverno, as pessoas começarão a se preocupar com o impacto disso na circulação oceânica.”
As consequências globais da perda de gelo marinho
O encolhimento do gelo marinho nos pólos não afeta apenas os ecossistemas locais. Embora ursos polares no Ártico e pinguins na Antártida sejam os símbolos mais evidentes dessa crise, as consequências vão muito além da fauna polar.
O gelo marinho polar já perdeu cerca de 14% de seu efeito de resfriamento natural desde a década de 1980. Isso significa que menos calor solar é refletido de volta ao espaço, intensificando o aquecimento global. Além disso, a redução do gelo pode alterar padrões climáticos ao redor do mundo, aumentando a frequência de eventos extremos, como ondas de calor e tempestades intensas.
Outro fator preocupante é a possibilidade de um Ártico sem gelo no final do verão antes de 2050. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), esse cenário é praticamente inevitável sob as atuais taxas de aquecimento. Estudos mais recentes sugerem que isso pode ocorrer ainda mais cedo, acelerando os impactos climáticos globais.
O que o futuro nos reserva?
Embora o derretimento do gelo marinho varie de ano para ano, a tendência de longo prazo é clara: estamos perdendo rapidamente essa camada protetora da Terra. As consequências vão além do impacto ecológico imediato, afetando a regulação térmica do planeta e a estabilidade das correntes oceânicas.
A única forma de reverter essa tendência é reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aquecimento global. Caso contrário, os registros de mínimas históricas no gelo marinho continuarão a ser quebrados, com implicações cada vez mais severas para o clima global.
O que antes era um alerta distante agora se tornou um fato incontestável: a transformação dos pólos já está em curso, e suas repercussões serão sentidas em todo o planeta.