O desmantelamento da USAID traz impactos profundos na saúde global, ameaçando projetos de combate a doenças como HIV, tuberculose e malária.
Nos últimos anos, a comunidade internacional tem acompanhado com crescente preocupação as decisões da administração do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação à política externa, especialmente no que diz respeito à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). A USAID desempenha um papel crucial no financiamento e implementação de programas de ajuda humanitária e desenvolvimento ao redor do mundo, focando em saúde, segurança alimentar, educação e resposta a desastres. A suspensão abrupta de seus programas e a proposta de desmantelamento da agência geraram uma onda de críticas e alertas sobre o impacto catastrófico dessa decisão na saúde global.
A importância estratégica da USAID
A USAID não é apenas uma agência burocrática que administra fundos. Ela é a espinha dorsal de inúmeras iniciativas que promovem a estabilidade e a saúde em regiões vulneráveis. Estima-se que bilhões de dólares sejam destinados anualmente para apoiar projetos relacionados à nutrição, combate a doenças infecciosas, saneamento básico e acesso à água potável. Esses projetos não apenas melhoram a qualidade de vida das populações atendidas, mas também desempenham um papel estratégico na prevenção de crises de saúde que poderiam se espalhar globalmente.
Como destaca o Dr. Tom Wingfield, especialista em tuberculose e medicina social da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, a USAID tem uma influência abrangente em questões fundamentais de saúde pública. “As pessoas não apreciam a extensão e o alcance da USAID. Vai para a desnutrição, higiene, banheiros, acesso a água limpa, que têm um impacto enorme na tuberculose e nas doenças diarreicas”, explica Wingfield. Segundo ele, doenças não respeitam fronteiras, e o risco de disseminação aumenta ainda mais diante das mudanças climáticas e dos deslocamentos em massa de pessoas.
O impacto direto nos programas de saúde
A decisão da administração Trump de congelar o financiamento da USAID por 90 dias, sob a justificativa de revisar os projetos para alinhá-los com a política de “America First”, provocou uma paralisia generalizada em várias regiões. Muitas organizações não governamentais (ONGs) que dependem dos fundos da agência para oferecer serviços essenciais enfrentam agora um cenário de incerteza e cortes drásticos.
As consequências desse congelamento já são sentidas em programas de combate ao HIV e à tuberculose. O Dr. Wingfield destaca que a tuberculose mata 1,3 milhão de pessoas anualmente e deixa outras 10 milhões doentes. Cerca de 40% dessas pessoas nunca recebem tratamento adequado, o que aumenta o risco de transmissão. “Seja um projeto de pesquisa ou uma clínica afetada, corremos o risco de mais transmissão. As pessoas morrerão diretamente por causa dos cortes no financiamento dos EUA”, alerta.
Além disso, clínicas que prestam cuidados a pessoas vivendo com HIV estão em risco iminente de fechamento. O tratamento contínuo é vital para manter a carga viral do HIV indetectável no sangue e evitar a transmissão. Uma interrupção nesses serviços pode desfazer anos de progresso no combate à doença.
Efeitos colaterais na confiança e na diplomacia
As decisões políticas têm implicações que vão além dos números e relatórios financeiros. O professor Peter Taylor, da Universidade de Sussex, argumenta que o congelamento abrupto mina a confiança das comunidades locais e dos parceiros internacionais. “Parar as coisas de repente prejudica a confiança das pessoas. Elas ficam confusas e com raiva”, afirma Taylor. Segundo ele, essa erosão da confiança tem um custo incalculável e compromete a reputação global dos Estados Unidos como um parceiro confiável no desenvolvimento internacional.
Pesquisas e ensaios clínicos em risco
Outro setor gravemente afetado pelos cortes na USAID é o de pesquisa científica. O professor Thomas Jaki, da Universidade de Cambridge, alerta que o congelamento de recursos interrompe ensaios clínicos cruciais para o desenvolvimento de novos tratamentos, especialmente para doenças como malária e HIV. “Infelizmente, há um grande número de testes que são imediatamente afetados pelo congelamento da USAID”, explica Jaki. “O impacto negativo no desenvolvimento de novos tratamentos pode atrasar avanços importantes por anos ou até mesmo descartá-los.”
Um futuro incerto para a saúde global
Para a professora Rosa Freedman, especialista em direito internacional e desenvolvimento global, o impacto dos cortes no financiamento pode ser sentido com mais intensidade nos próximos meses, especialmente no setor de saúde. “Doenças evitáveis, que pensávamos terem sido contidas ou mesmo erradicadas, poderiam reaparecer ou piorar”, afirma Freedman, mencionando exemplos como cólera e malária.
Além disso, Freedman ressalta a interconexão da saúde global. “Dada a natureza globalizada e interdependente do nosso planeta, a preocupação será que essas doenças possam se espalhar rapidamente”, adverte. Isso não apenas coloca em risco as populações mais vulneráveis, mas também ameaça a segurança sanitária global.
O desmantelamento da USAID e o congelamento de seus fundos têm implicações profundas e de longo alcance. A decisão não afeta apenas as populações diretamente beneficiadas pelos programas de saúde e desenvolvimento. Ela compromete a segurança global, o progresso científico e a confiança nas relações internacionais. À medida que o mundo se torna cada vez mais interconectado, políticas que negligenciam a cooperação global e o apoio humanitário podem trazer consequências devastadoras para todos nós.