Introdução: O Mistério que Desafia a Fé
Há uma máxima que diz que o valor do patrimônio da Igreja Católica é um dos mistérios da fé — tamanho o segredo que a instituição guardou ao longo dos séculos sobre o assunto. Diante de tanto sigilo, as especulações sobre a fortuna da Santa Madre se avolumaram, criando uma aura de mistério que, muitas vezes, beira a ingenuidade. Quem nunca ouviu comentários como *”Por que o papa não vende o Vaticano para acabar com a fome no mundo?”*?
O fato é que, desde o início de seu pontificado, o **papa Francisco** (1936-2023) se empenhou em retirar o véu que encobria as finanças da Santa Sé, implementando medidas que enxugaram a engrenagem do Vaticano e repercutiram na Igreja como um todo. Uma delas foi a divulgação, em 2021, do **balanço financeiro público da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (APSA)**, prática mantida desde então. Foi a primeira vez, desde a criação da APSA em 1967 — órgão responsável pela gestão de imóveis e investimentos —, que tais números vieram a público.
Os Números Revelados (e os que Permanecem Ocultos)
De acordo com o último relatório, referente a **2023**, a Igreja teve um **lucro total de 45,9 milhões de euros** (R$ 294,8 milhões) e um **aumento de ativos de 7,9 milhões de euros** (R$ 50,7 milhões). O patrimônio líquido não foi divulgado, mas o último valor conhecido — **886 milhões de euros** (R$ 5,69 bilhões) — refere-se apenas aos ativos administrados pelo **Banco do Vaticano**, excluindo imóveis, terras e outros bens.
Além disso, a Igreja lucra com a gestão de mais de **5 mil imóveis**, dos quais **20% são alugados**, gerando uma **receita operacional de 73,6 milhões de euros** (R$ 477,2 milhões) e um **lucro líquido de 35 milhões de euros** (R$ 224,8 milhões) por ano.
No entanto, esses valores representam apenas a economia do **Vaticano**. As finanças da Igreja são **descentralizadas**, cabendo a cada diocese administrar seu orçamento. Portanto, o patrimônio total é **ainda maior** — e talvez **incalculável**.
É praticamente impossível avaliar o patrimônio de toda a Igreja Católica”, afirma Fernando Altemeyer Junior, professor da PUC-SP.
De fato, a Igreja é considerada **uma das maiores proprietárias de terras do mundo**. Segundo o **Instituto de Estudos das Religiões e da Laicidade (IREL)**, de Paris, ela possui entre **177 e 200 milhões de acres — quase o tamanho do Estado do Pará —, incluindo igrejas, escolas, hospitais, mosteiros e propriedades rurais e urbanas.
A Origem da Fortuna: Doações, Poder e Política
Mas de onde vem tanto dinheiro, se a Igreja Católica, em tese, não visa o lucro, conforme o **Código de Direito Canônico**?
A resposta remonta ao século 4, quando o imperador Constantino (272-337 d.C.) elevou o cristianismo à religião oficial do Império Romano. Até então, os cristãos viviam de forma humilde, celebrando cultos em casas e até em **catacumbas.
Esses eventos mudaram radicalmente a história do cristianismo e do Império Romano”, escreve Ney de Souza, em *História da Igreja* (Ed. Vozes). “Temporal e espiritual entrelaçaram seus destinos. Dos martírios e catacumbas, passou-se aos palácios, em prejuízo da vivência da fé.”
Constantino e outros imperadores doaram palácios, terras e riquezas** à Igreja, estabelecendo um mecanismo de **doações em troca de influência**. Nos **séculos seguintes**, a hierarquia católica se aliou às famílias mais ricas da Europa, consolidando seu poder.
O Vaticano: O Coração Financeiro da Igreja
A Cidade do Vaticano**, centro do poder católico, é uma **monarquia absoluta governada pelo papa. Seu patrimônio inclui:
– 15 museus** (incluindo a **Capela Sistina)
– Biblioteca Apostólica Vaticana** (com manuscritos raros)
– Rádio Vaticana**
– Banco do Vaticano (IOR)**
– 12 propriedades extraterritoriais** (como as Basílicas Maiores de Roma)
Além disso, o Vaticano é sustentado por:
– Doações das dioceses (principalmente Alemanha e EUA)
– Turismo** (milhões de visitantes anuais)
– Óbolo de São Pedro (contribuições voluntárias)
– Venda de moedas e selos comemorativos
Escândalos e Transparência: O Desafio de Francisco
Apesar da riqueza, a falta de transparência gerou crises. Em 2013, o bispo alemão Franz-Peter Tebartz-van Elst gastou 31 milhões de euros em reformas palacianas, causando revolta. Já o cardeal Giovanni Angelo Becciu desviou US$ 200 milhões destinados à caridade.
O papa Francisco buscou mudanças, mas, como disse ao Corriere della Sera:
“Jesus afirma que não se pode servir a dois senhores: Deus e o dinheiro. A pobreza afasta da idolatria e abre as portas à Providência.”
A Igreja Católica é uma instituição **multibilionária**, com patrimônio cultural e imobiliário **inestimável**. Seu desafio, hoje, é equilibrar **riqueza e missão espiritual**, mantendo a **transparência** exigida pelos fiéis.