Os homens desempenham um papel importante na crise global da fertilidade, refletindo mudanças econômicas e sociais que afetam o futuro da natalidade.
Nos últimos anos, o declínio das taxas de fecundidade tornou-se um fenômeno global, atingindo países em todos os continentes e gerando inquietação entre demógrafos, economistas e especialistas em saúde. Na China, as taxas de natalidade batem recordes mínimos, e na América Latina, as previsões oficiais de nascimentos se revelam otimistas demais. No Oriente Médio e norte da África, a queda é igualmente notável, refletindo uma realidade em que as pessoas, em especial os homens, têm cada vez menos filhos ou, em muitos casos, nenhum.
Historicamente, a paternidade era um dos marcos principais para homens na transição para a vida adulta. Mas, hoje, o cenário mudou. A socióloga Anna Rotkirch, especialista em demografia no Instituto de Pesquisa Populacional da Finlândia, chama atenção para o conceito de “infertilidade social”. Ela explica que, no passado, os jovens se casavam e constituíam família ao mesmo tempo em que buscavam estabilidade financeira, mas, hoje, a paternidade é vista como um objetivo tardio, reservado para depois da estabilidade. “Filhos deixaram de ser um ponto de partida e passaram a ser um culminar”, pontua Rotkirch.
A Ascensão da Infertilidade Social
Além dos desafios econômicos, a “infertilidade social” é um fenômeno cada vez mais presente. Rotkirch e outros sociólogos observam que, entre homens de baixa renda, é comum a impossibilidade de constituir família. Na Noruega, um estudo realizado em 2021 revelou que 72% dos homens entre os 5% mais pobres do país não tinham filhos, em comparação a apenas 11% entre os mais ricos. Esse é um exemplo claro de como desigualdades socioeconômicas afetam diretamente o acesso à paternidade.
As dificuldades financeiras, além de limitarem a possibilidade de constituir uma família, impactam a autoestima e até a capacidade de formar vínculos amorosos. O fenômeno conhecido como “efeito de seleção” sugere que as mulheres, ao escolher um parceiro, buscam uma estabilidade financeira compatível ou superior à delas, reduzindo as oportunidades de paternidade para homens economicamente desfavorecidos. Esse aspecto foi vivido por Robin Hadley, um pesquisador que explorou a trajetória de homens sem filhos. Ele compartilha que, em sua juventude, o endividamento e a falta de formação universitária dificultaram seus relacionamentos, levando-o a sentir uma espécie de “perda social” quando via seus amigos e colegas formando famílias.
A Crise da Masculinidade e a Fertilidade
O declínio da fertilidade masculina e a chamada “crise da masculinidade” estão interligados em muitos aspectos. Em países de média e alta renda, a educação avançada e a independência das mulheres criaram o que Marcia Inhorn, socióloga da Universidade de Yale, chama de “mating gap” — uma lacuna entre homens e mulheres em termos de compatibilidade econômica e educacional para formar famílias. Em países europeus, por exemplo, homens sem diploma universitário são o grupo com maior probabilidade de não ter filhos.
Além disso, o cenário cultural vem mudando. A crescente presença feminina em espaços tradicionalmente dominados por homens e a redefinição das expectativas em torno da masculinidade causaram um impacto psicológico em muitos homens. Segundo Vincent Straub, da Universidade de Oxford, essa “crise” é observada no aumento do abuso de substâncias entre homens em idade reprodutiva, além de sintomas de saúde mental decorrentes da falta de perspectivas financeiras e familiares.
A Invisibilidade Masculina nas Políticas de Fertilidade
Um aspecto frequentemente ignorado no debate sobre o declínio da natalidade é o papel do homem. Em muitos países, os registros de nascimento focam exclusivamente no histórico de fertilidade da mãe, e homens sem filhos ficam fora das estatísticas nacionais. Esse dado é fundamental para Vincent Straub, que defende que a fertilidade masculina deve ser tratada também como uma questão de saúde. Ele argumenta que a ausência de filhos entre os homens pode impactar não apenas a saúde emocional, mas também a saúde física — algo que permanece pouco estudado e compreendido.
Outro fator importante é a cultura social de paternidade. Em algumas regiões, a licença paternidade é vista como uma obrigação feminina. Em uma reunião com executivos de um banco no México, Isabel, fundadora do grupo “Nunca Madres”, relatou que nenhum homem havia solicitado a licença de paternidade, ainda que ela estivesse disponível. Isso reflete uma visão enraizada de que cuidar dos filhos é uma tarefa exclusivamente feminina, reduzindo ainda mais a participação ativa dos homens na criação de vínculos familiares.
Os Homens e o Relógio Biológico
Embora tradicionalmente o “relógio biológico” tenha sido associado às mulheres, estudos mostram que ele também se aplica aos homens. Pesquisas indicam que a qualidade do esperma começa a declinar após os 35 anos, o que reduz a probabilidade de uma concepção saudável. A conscientização sobre esse fator, no entanto, é quase inexistente entre os jovens, criando uma espécie de “cegueira” para o impacto da idade na fertilidade masculina.
Segundo Hadley, os homens sem filhos que ele entrevistou manifestaram interesse em participar da criação de crianças, seja por meio de apoio comunitário ou familiar. A ideia de “aloparentalidade” — cuidar de filhos de parentes ou amigos — já era praticada durante a evolução humana e ainda é relevante hoje. Essa contribuição pode não aparecer em certidões de nascimento, mas é essencial para o desenvolvimento social de muitas crianças. Hadley conta a história de um homem que assumiu o papel de avô postiço para duas crianças no clube de futebol local, criando um vínculo significativo e preenchendo o papel afetivo de um avô ausente.
O Futuro da Fertilidade Masculina: Repensando Políticas e Práticas
A crise da fertilidade traz à tona a necessidade de repensar as políticas de incentivo à natalidade e de abordar a paternidade como uma questão de saúde pública para os homens. As iniciativas políticas atuais focam principalmente nas mulheres, ignorando a metade masculina do problema. Para Straub, é essencial que as políticas incluam um olhar mais atento à saúde mental e física dos homens em idade reprodutiva, incentivando a participação ativa dos pais na criação de seus filhos.
Além disso, é crucial abordar as barreiras socioeconômicas que limitam o acesso à paternidade, promovendo uma maior igualdade nas oportunidades educacionais e econômicas. Em um contexto de profunda transformação social e econômica, compreender a “infertilidade social” dos homens é uma peça-chave para lidar com o declínio da natalidade de forma inclusiva e sustentável.