Depois de quase uma década afastado dos holofotes, Eike Batista — outrora o homem mais rico do Brasil — anuncia seu retorno ao mundo dos negócios com uma proposta ousada: a “supercana”, uma nova variedade de cana-de-açúcar com promessas de revolucionar a produção de biocombustíveis e embalagens sustentáveis. A aparição repentina gerou reações divididas. De um lado, entusiastas veem um renascimento empresarial; de outro, críticos evocam a derrocada do império X e alertam para os riscos de promessas grandiosas.
O anúncio veio através da rede social X (antigo Twitter), onde Eike compartilhou uma notícia da Bloomberg afirmando ter captado US$ 500 milhões para investir em seu novo empreendimento. Com tom confiante, escreveu em inglês: “I’m back”, e em seguida marcou Elon Musk: “Hey @elonmusk, remember Rio ‘08? Let’s talk supercana and X!”
O tom descontraído e bilíngue do empresário contrasta com o peso de sua trajetória recente — uma espiral que passou da euforia dos bilhões à prisão por corrupção. A iniciativa com a “supercana” aparece, portanto, como tentativa de reescrever sua história empresarial em um momento em que o Brasil e o mundo buscam soluções energéticas mais sustentáveis.
Um passado que ainda pesa
É impossível falar do retorno de Eike sem mencionar seu passado controverso. No início dos anos 2010, ele era símbolo de um Brasil em ascensão. Seu conglomerado, o chamado “império X”, prometia transformar o país em uma potência energética e logística. Empresas como OGX (petróleo), LLX (logística) e MMX (mineração) mobilizaram bilhões de reais em investimentos e especulações.
No entanto, muitas das promessas não se concretizaram. Em especial, as projeções infladas sobre as reservas de petróleo da OGX foram revisadas drasticamente, revelando um rombo de credibilidade. Em 2013, a crise se instalou. A derrocada foi rápida: em 2017, Eike foi preso no contexto da Operação Lava Jato, e, em 2021, condenado por crimes contra o mercado de capitais.
Hoje, ele ainda responde a cinco ações penais e parte de seu patrimônio segue bloqueada. O peso dessas pendências jurídicas inevitavelmente influencia a recepção de seus novos projetos.
A “supercana” e o resgate de uma velha aposta
A proposta da “supercana” não é exatamente inédita. O projeto gira em torno de uma variedade geneticamente melhorada de cana-de-açúcar, desenvolvida para produzir entre duas e três vezes mais etanol por hectare do que a cana convencional, além de gerar até 12 vezes mais bagaço. O objetivo é duplo: ampliar a produção de biocombustíveis e aproveitar a biomassa para gerar energia e desenvolver embalagens ecológicas.
No entanto, parte da indústria canavieira recebeu a proposta com desconfiança. Isso porque projetos similares foram testados nas últimas décadas e, na maioria das vezes, abandonados por falta de viabilidade econômica. Entre os céticos está Rubens Ometto, controlador da Cosan, que comentou durante uma conferência do BTG Pactual: “Falar do Eike… É difícil criticar, mas já fizemos isso e abortamos.”
O cérebro por trás da variedade energética
O agrônomo Sizuo Matsuoka é o principal nome técnico por trás da nova variedade. Sua trajetória é longa e respeitada. Iniciou seus estudos sobre cana-de-açúcar em 1968, no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), foi professor na UFSCar e participou da fundação da CanaVialis, iniciativa da Votorantim voltada ao melhoramento genético da planta.
A “supercana”, na verdade, é herdeira da “cana-energia”, variedade desenvolvida com foco na biomassa. A lógica é simples: quanto mais bagaço, mais insumo para a produção energética. Matsuoka apostou nesse tipo de melhoramento, mesmo quando a maioria das empresas e centros de pesquisa desistiram da ideia.
Ainda nos anos 2000, a CanaVialis foi vendida para a Monsanto e, posteriormente, fechada. Matsuoka, então, fundou sua própria empresa: a Vignis. Ela operou entre 2011 e 2017, mas entrou em recuperação judicial. Foi nesse contexto que Eike Batista se aproximou do projeto, ainda em 2015, por meio da empresa BRX.
Segundo Eike, a falência da Vignis está diretamente ligada à crise da Odebrecht, cliente importante que colapsou após os escândalos da Lava Jato. Mesmo assim, Matsuoka seguiu com os estudos e realizou cruzamentos genéticos a partir de germoplasmas trazidos dos EUA, França e Barbados, desenvolvendo 17 novas variedades. Tudo isso sem recorrer à engenharia genética, apenas por melhoramento convencional.
A visão da ciência e as limitações econômicas
Apesar da narrativa otimista, o projeto enfrenta desafios técnicos e mercadológicos. O poder calorífico da cana-energia, por exemplo, é inferior ao da lenha. Isso implica custos logísticos maiores, especialmente quando o transporte da biomassa é feito a longas distâncias. Além disso, a cana voltada à celulose é mais difícil de processar, exigindo equipamentos mais robustos.
Fernando Reinach, membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente da CanaVialis, destaca essas limitações e lembra que a “supercana” não é uma invenção inédita. “Ela não é uma ‘supercana’. É uma cana selecionada para energia, e não para açúcar”, afirma.
Já o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), principal polo de pesquisa do setor no Brasil, deixou claro que não está investindo atualmente em cana-energia. Seu foco é no aumento da produtividade da cana convencional e no controle de pragas. A Embrapa, igualmente, informou que a “supercana” não está entre suas prioridades.
Um projeto de futuro — ou de passado?
O retorno de Eike Batista aconteceu em um Brasil diferente daquele em que ele ascendeu. A sociedade está mais crítica, o sistema financeiro mais regulado e o mercado energético mais atento às promessas verdes. Por isso, a viabilidade da “supercana” depende não apenas da ciência e da tecnologia, mas também da confiança pública e da transparência.
É claro que o país precisa de inovação energética. Com a crescente demanda por combustíveis renováveis e materiais biodegradáveis, propostas como essa merecem atenção. No entanto, elas não podem se sustentar em discursos grandiosos, desvinculados da realidade técnica e financeira.
Se Eike de fato reinventou sua trajetória — e se a supercana representa uma ruptura tecnológica — isso só o tempo e os resultados práticos dirão. Por ora, resta observar com cautela, mas sem descartar o potencial de um Brasil que sempre sonhou grande, e que talvez esteja aprendendo a sonhar com mais responsabilidade.