Geo Síntese

Paz ou incerteza? O dilema geopolítico na guerra da Ucrânia

À beira do rio Dnipro, no sul da Ucrânia, Oleksandr Bezhan observa o terreno vazio onde antes se dedicava à pesca. “Não tenho planos para o futuro”, confessa, enquanto o vento frio corta a paisagem árida. “Se eu acordar de manhã, isso já é muito bom.” Seu olhar se perde no horizonte, onde a fronteira imaginária entre o território ucraniano e as áreas ocupadas pela Rússia parece cada vez mais definitiva.

Esse cenário de abandono e incerteza se repete em Malokaterynivka, um vilarejo localizado a apenas 15 km ao norte da linha de frente na região de Zaporizhzhya. A guerra transformou a rotina dessa pequena comunidade em uma luta constante pela sobrevivência. Agora, com a possibilidade de negociações de paz lideradas por Donald Trump, paira no ar uma pergunta crucial: que tipo de paz será oferecida, e a que custo?

Geopolítica, território e a nova configuração da linha de frente

A geografia de Malokatery Rivka ilustra perfeitamente o dilema geopolítico da Ucrânia. Antes da guerra, o rio Dnipro era uma importante via de conexão e fonte de sustento para a região. No entanto, após a destruição da represa de Kakhovka, o leito do rio transformou-se em uma vasta planície de matagal, deixando para trás um ambiente estéril e simbolizando o limbo em que o país se encontra.

O território exposto separa a Ucrânia das áreas controladas pela Rússia, com a usina nuclear de Zaporizhzhia brilhando ao longe, agora sob controle russo desde 2022. A geografia tornou-se uma arma no conflito, com rios, vales e estradas assumindo novos significados estratégicos.

A proposta de paz promovida por Trump não oferece garantias claras de que a linha de frente não se tornará uma fronteira definitiva. Para muitos ucranianos, a ideia de uma fronteira fixa seria uma derrota disfarçada de trégua. Oleksandr expressa bem esse medo: “Se a linha de frente virar uma fronteira, seria assustador… a luta poderia estourar a qualquer momento.”

Uma paz instável e as cicatrizes da guerra

O impacto territorial da guerra vai além das linhas de batalha. O espaço vivido pelos ucranianos mudou radicalmente. Vilarejos como Malokaterynivka foram esvaziados e transformados em lugares de memória dolorosa. Metade dos túmulos no cemitério local foi recém-cavada, resultado do constante envio de jovens para a linha de frente.

Durante o funeral de um soldado local, a cerimônia precisa ser rápida. A ameaça de ataques de artilharia é constante, e os enlutados não têm mais do que 25 minutos para se despedir. Natalya, a viúva, segura as lágrimas enquanto fala sobre seu marido. “Eles continuam enviando mais e mais de nossos meninos para a frente. Se ao menos pudessem encontrar uma maneira de acabar com isso.”

Esse sentimento de desamparo mistura-se com um desejo quase utópico de paz. Mas a paz, nas condições atuais, é carregada de incertezas. A visão de Washington sobre o conflito não coincide completamente com os anseios de Kiev. Enquanto a Ucrânia busca garantias de segurança e proteção contra novas invasões, Trump parece mais inclinado a uma solução rápida, mesmo que isso implique concessões territoriais.

Território e memória: o sonho da Crimeia perdida

Para os moradores de Malokaterynivka, o território é mais do que uma questão geopolítica; é uma parte fundamental de sua identidade. Lyudmyla Volyk, de 65 anos, observa o reservatório vazio que um dia trouxe vida à região. A linha ferroviária ao lado do rio, agora cercada por arame farpado para evitar sabotagem, já foi uma importante conexão com a Crimeia.

“Esperamos que um dia seja restaurado”, diz Lyudmyla, cheia de esperança. “E que possamos ir para a nossa Crimeia novamente.” Mas, após 11 anos de ocupação russa, esse sonho parece distante.

A luta pela Crimeia simboliza uma batalha maior: a disputa por territórios que carregam memórias e histórias que vão além das fronteiras políticas. A geografia não é apenas o palco do conflito; ela também molda o destino daqueles que vivem nele.

Um futuro incerto: negociações ou mais resistência?

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky insiste que qualquer acordo de paz deve incluir garantias claras para a Ucrânia. Os ucranianos temem que uma paz apressada possa significar a consolidação das conquistas territoriais russas, transformando áreas ocupadas em zonas permanentemente disputadas.

“Queremos acreditar”, responde Lyudmyla, depois de uma longa pausa. Mas a ausência de detalhes concretos sobre um possível cessar-fogo gera mais dúvidas do que certezas.

Embora a perspectiva de noites sem sirenes e soldados voltando para casa seja um alívio aguardado, a paz proposta traz uma série de perguntas sem resposta. Quem garantirá o cumprimento do acordo? Quem protegerá os ucranianos que vivem perto da nova linha de fronteira?

Para Kiev, qualquer cessar-fogo frágil será visto como uma jogada provisória, uma pausa em um conflito que pode facilmente recomeçar. A Rússia, por sua vez, interpreta essa ausência de resoluções claras como uma oportunidade para consolidar suas conquistas.

A geografia da esperança e do medo

No fim, a história de Malokatery Rivka reflete um dilema vivido por toda a Ucrânia. A luta não é apenas militar, mas também territorial e simbólica. A paz, embora desejada, precisa ser construída sobre fundamentos sólidos, garantindo segurança e respeito à soberania do país.

Se Trump conseguir um acordo de paz, ele será saudado por muitos. Mas, para os moradores das regiões afetadas, a verdadeira questão não é apenas quando a guerra terminará, mas como. O território pode ser negociado, mas as cicatrizes deixadas por ele permanecerão por muito tempo.